E teve aquela vez
que...
O pássaro madrugador foi pego pela minhoca.
Se alguém no parque tivesse visto teria ficado muito
surpreso, mas não mais que o próprio pássaro ficou ao ser subjugado e devorado
por um anelídeo cuja dieta consistia, até momentos antes, de folhas mortas e
outros materiais decompostos.
Esse pode ter sido o primeiro, mas não o último pássaro a
ficar terminalmente chocado. Aves famintas viam a minhoca cada vez maior e mais
suculenta e, na pior e última decisão de suas vidas, pousavam para uma refeição
farta sem imaginar que isso realmente iria acontecer, mas não como esperavam.
Logo os pássaros pararam de vir, mais ou menos na mesma
época em que animais de estimação começaram a sumir de forma epidêmica, para a
tristeza de muitos donos que espalhavam cartazes por todos os arredores do
parque.
A princípio os cartazes mostravam gatos e pequenos cães de
latido estridente, mas após um tempo também passaram a figurar retrievers,
dálmatas e outras raças. Até mesmo um fila foi dado como misteriosamente
desaparecido. Apesar da popularidade do parque como área de recreação para
animais de estimação ter caído drasticamente nesse período, havia certa
unanimidade de que ele estava mais limpo do que nunca, com a falta de
excrementos e afins. Também não se via mais mendigos como antes e todos diziam
que ainda era um lugar muito agradável para se visitar nos finais de semana.
Só quando a primeira criança desapareceu que a cidade passou
a ficar verdadeiramente preocupada, mas ainda sem respostas. Autoridades
tomaram providencias de praxe, prendendo e interrogando todos que pudessem, mas
sem se aproximar de uma solução para o caso.
Mas bastou o sumiço de uma excursão do primário para que a
comunidade enfurecida arregaçasse as mangas e marchasse para o parque munida de
quaisquer armas improvisadas que encontraram em suas casas e disposta a punir
quem quer que julgassem remotamente responsável pelo terror que assolava suas
pacata vidas.
E foi nesse momento, enquanto a turba raivosa vasculhava
cada centímetro verde por pistas ou algum mendigo para linchar, que as
respostas vieram em um último momento de terrível esclarecimento quando, um a
um, a terra os engoliu em uma enorme e mucosa goela forrada de afiados dentes.
Os sobreviventes reportaram o horror que testemunharam para
as autoridades, que sequer tiveram o luxo de permanecerem incrédulas por muito
tempo quando o apetite do verme gigante ultrapassou as fronteiras do parque e
passou a tomar as ruas.
Logo a polícia, esquadrões de choque e forças militares
foram todas mobilizadas e bem sucedidas, supondo que seu objetivo era o de
alimentar a criatura até que ela crescesse de tal forma que pudesse circundar
toda a cidade com sua extensão.
Agora nossa cidade encontra-se separada do mundo por uma
intransponível parede de carne viscosa, e somos mantidos como gado para saciar
o apetite da fera.
Mas o nosso novo senhor é um tirano benevolente. O Grande
Verme nos mantem seguros do mundo desde que não o irritemos com tentativas de
fuga e exige pouco em troca. Apenas um sacrifício por dia, que deve entrar de
bom grado em mandíbula cavernosa, a única porta de saída de nosso cercado.
Além disso, nosso senhor tem um pensamento muito moderno, acreditando
em oportunidades iguais e jamais discriminando as oferendas por sexo, cor ou
outras características. Para ele todos os vertebrados devem ser tratados
igualmente, pois são igualmente deliciosos.
E assim continuamos nossas vidas (mais ou menos) como antes.
O mundo de fora parece ter escolhido nos esquecer, julgando o que o Verme
ficará saciado indefinidamente enquanto mantiver sua pequena horta humana. Mas
nós aqui vemos que a cada dia, com cada um de nossos parentes, amigos ou
conhecidos que caminha para a escuridão abissal, a besta cresce um pouco mais e
o cercado vivo se expande, lentamente, até o dia em que ira envolver tudo e
todos.