sexta-feira, 18 de março de 2016

Registro Onírico: O Boi

Um sonho peculiar que tive ontem à noite, que talvez seja interessante registrar.

No meu sonho eu corria por uma estrada de terra, algo bem rural. Apenas o matagal ao meu redor, com a ocasional cerca dizendo que aquele lugar não era totalmente desprovido de civilização. E eu sabia que era um feriado, o Dia de Todos os Santos? De Todos os Espíritos? De todos alguma coisa de sentido espiritual ou religioso.

E eu sabia que era esse dia pelos grupos de pessoas que, agora eu via, enchiam a estrada, tanto que eu tinha que desviar delas para continuar minha corrida. Primeiro me deparei com monges encapuzados, andando devagar e de cabeça baixa, rumo a templos de pedra que eu sabia que estavam lá, entoando alguma coisa.

Depois de passar por eles eu vi círculos de pessoas, diversos deles. Pessoas vestidas de penas, vestidas de palha, vestidas de branco, todos dançando em seu próprio ritmo, cantando suas canções com toda força, mas sem nunca se distrair pela cacofonia que era formada.

Devagar mas evitando perder o ritmo eu negociei um caminho entre eles, buscando espaço para continuar meu treino, até que parei onde um grupo de pessoas estava parado de ponta a ponta na estrada, de costas para mim e olhando algo.

Na frente deles havia um homem, e o homem apresentava para eles um boi branco com um chifre quebrado e uma marca na testa. Ele dizia para sua plateia “Esse é nosso Deus, e ele anda entre nós.”

O homem guiou o boi para frente, onde ele se deitou no chão. Em seguida, foi a vez de a plateia ir à direção do boi que era seu deus, e para minha surpresa todos sacaram facas e facões. O propósito deles era claro enquanto cercavam o animal, e cada um cortou um pedaço do boi, um naco considerável, e o levou consigo. E no meio disso tudo, o boi não gritou nem parecia sentir dor. No final todos se foram, e a carcaça talhada do boi permanecia deitada na mesma posição, sua cabeça – a única parte poupada – olhando de forma vazia para o infinito.


Nesse ponto eu dei as costas para fazer meu caminho de volta, estrada acima. Nesse ponto eu acordei também.

sexta-feira, 11 de março de 2016

Cor

Sabe aquele momento em que uma resposta vem até você, horas ou até dias depois da pergunta, te acertando em cheio bem na mente, como se sempre estivesse bem na sua frente e você apenas não a enxergou até aquele instante. Você até se sente meio bobo por isso, afinal, era tão óbvio.

Bom, eu me lembro  bem de uma vez em que isso aconteceu. Lá estava eu, parado com o carro, longe de casa, longe de tudo, na escuridão que só não era completa pelo semáforo que banhava o asfalto molhado com sua luz vermelha. E um instante depois, de forma completamente inesperada, a resposta veio.

Para qual pergunta? Uma que não me era feita havia anos: “Qual sua cor favorita?”. Uma pergunta bem infantil na verdade. Ou pelo menos muito dita na infância, quando damos nossos primeiros passos em busca da individualidade e acreditamos que ela possa ser encontrada nos nossos gostos para as coisas que nos cercam, até mesmo as mais simples.

E claro, nós crescemos, amadurecemos e passamos a ver que o que nos torna únicos possui nuances muito mais profundas do que um mero espectro de luz refletida em um objeto possa definir. E se mantemos uma resposta às vezes é a mesma da de nossos primeiros anos, apenas por que não tivemos razão para elaborar mais sobre ela. Não faz diferença, na verdade.

E ainda sim, foi essa a resposta que eu encontrei naquela noite, longe de casa, longe de tudo, no meio da escuridão vermelha do semáforo que parecia preencher o universo. Pois um segundo depois, o semáforo mudou.

O verde brilhava no asfalto úmido pela chuva, enchendo a rua, o carro, os meus olhos. E foi ai que eu percebi algo tão simples, tão óbvio: verde é minha cor favorita.

Mas era mais do que apenas uma cor escolhida para estar acima das outras. Ela tocava algo mais profundo em mim, e as memórias tomaram minha mente como uma enchente. Memórias do verde-dourado da luz do sol atravessando as copas das árvores, de estar no topo daquele penhasco sob o sol tropical e ver como o mar era mais esmeralda que safira. Lembranças de sonhos, onde campos verdejantes se correm até o horizonte sob o céu azul. De olhos, verdes como o verão.


Não era apenas a cor que eu gostava. Era a cor de tudo que eu amo no mundo.