quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Explicando o Mundo: Ano Novo

Todos temos aquele amigo mais cínico que, no ano novo, nos diz que é só mais um dia, que nada muda de verdade etc. E ele está correto.

A natureza continua tratando de seus assuntos da mesma maneira, o sol nasce sobre o mundo exatamente do mesmo jeito, o universo permanece girando na mesma dança dos últimos bilhões de anos. Dizer que nada muda é faticamente correto.

Mas isso não quer dizer que é verdade.

Pois veja, existe uma algo em nosso mundo, e talvez apenas em nosso mundo, capaz de transformar apenas mais um dia comum na história do universo em um momento místico de renovação. Algo que você vê em toda parte, todo dia e até no espelho: pessoas.

No dia a dia já vemos cada indivíduo envolto em sua concepção própria de mundo, enxergando as coisas através de um prisma único, criando uma versão particular do todo. Quando algumas pessoas se juntam e compartilham ideias essa visão se expande. Alguns milhões unidos e criamos todo o conceito de sociedade.

Agora juntemos bilhões de pessoas, focadas em uma única crença, em um único dia, de que tudo muda com o badalar da meia noite. O peso acumulado de todas essas mentes sobre a realidade a altera e dá a ela uma forma nova. O sol que nasce não é mais apenas uma bola de fogo nuclear no espaço, mas um arauto de novas esperanças, novas oportunidades de conquistas, novas promessas de algo melhor. Os fogos enchem o céu de cores e o mundo está renascido porque desejamos que ele renasça.


Raramente paramos para pensar, mas é de fato incrível esse nosso ritual, onde ano após ano, por um mero exercício coletivo de pensamento positivo, criamos um mundo inteiro novo para nós. E até o seu amigo cínico, por mais que não admita, tira força renovada dos ares do novo ano. 

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Explicando o Mundo: Natal


O Natal. Todos sabem que o Natal é uma grande celebração de família, união, o nascimento do salvador da humanidade e blábláblá ninguém liga então vamos falar do que realmente importa: presentes!

Para começar, vamos falar do bom velhinho que nos agracia anualmente com maravilhosos produtos industrializados. Como todos sabem, a figura do Papai Noel foi criada na virada do século XX pelo partido comunista russo como forma de doutrinar os jovens a seguir sua ideologia.  Para tanto eles adotaram a figura de um Karl Marx alegre e bonachão, trajado nas cores do partido e que dava a todas as crianças presentes sem distinção, a fim de promover o ideal de uma sociedade igualitária.

Claro que isso não demorou a ser deturpado, pois os comunistas falharam em contabilizar um fator importante: crianças são diabinhos gananciosos e sempre querem mais, especialmente quando vem de graça.

O desejo infantil por brinquedos maiores e melhores logo destruiu a pura ideia original para o feriado, e a indústria dos brinquedos usou de seu novo e ilimitado poder no mercado para tomar posse de todo simbolismo da época e criar o capitalismo que define nosso mundo moderno.


Hoje em dia nos mantemos essa tradição de dar presentes maiores, melhores e mais caros para quem amamos, a fim de garantir o lucro dos conglomerados de brinquedos, cinema e armamentos que controlam a economia global. 

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Sanduíche

Pela manhã, enquanto preparava meu desjejum, derrubei uma fatia de pão no chão.
A maioria das pessoas simplesmente daria um suspiro decepcionado, recolheria a fatia desperdiçada para o lixo e continuaria o preparo de seu lanche com um pão fresco e mais cuidado. Mas não eu!
Sem me deixar intimidar pela mera lei da gravidade, imediatamente contatei um conhecido à meio mundo de distância, no Japão, que ao mesmo tempo preparava seu jantar.  A princípio confuso, ele concordou em deixar uma fatia de pão cair no chão de seu apartamento.
E foi assim, senhoras e senhores, que para o café da manhã eu preparei um sanduíche de mundo. Acho que isso faz de todos vocês ingredientes. Sinto muito por isso.
Eu dei algumas mordidas famintas e devo dizer que o gosto é bem único. Tem um gosto de chão, misturado com magma, peixe frito e componentes eletrônicos. Uma verdadeira iguaria.
Mas eu não consegui comer tudo de uma só vez - é um sanduíche bem grande - e guardei o que sobrou na geladeira. Você sabe, para aqueles ataques noturnos à cozinha. Nessas horas nada melhor que um lanche global requentado.



sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

A história da minhoca

E teve aquela vez que...

O pássaro madrugador foi pego pela minhoca.
Se alguém no parque tivesse visto teria ficado muito surpreso, mas não mais que o próprio pássaro ficou ao ser subjugado e devorado por um anelídeo cuja dieta consistia, até momentos antes, de folhas mortas e outros materiais decompostos.
Esse pode ter sido o primeiro, mas não o último pássaro a ficar terminalmente chocado. Aves famintas viam a minhoca cada vez maior e mais suculenta e, na pior e última decisão de suas vidas, pousavam para uma refeição farta sem imaginar que isso realmente iria acontecer, mas não como esperavam.
Logo os pássaros pararam de vir, mais ou menos na mesma época em que animais de estimação começaram a sumir de forma epidêmica, para a tristeza de muitos donos que espalhavam cartazes por todos os arredores do parque.
A princípio os cartazes mostravam gatos e pequenos cães de latido estridente, mas após um tempo também passaram a figurar retrievers, dálmatas e outras raças. Até mesmo um fila foi dado como misteriosamente desaparecido. Apesar da popularidade do parque como área de recreação para animais de estimação ter caído drasticamente nesse período, havia certa unanimidade de que ele estava mais limpo do que nunca, com a falta de excrementos e afins. Também não se via mais mendigos como antes e todos diziam que ainda era um lugar muito agradável para se visitar nos finais de semana.
Só quando a primeira criança desapareceu que a cidade passou a ficar verdadeiramente preocupada, mas ainda sem respostas. Autoridades tomaram providencias de praxe, prendendo e interrogando todos que pudessem, mas sem se aproximar de uma solução para o caso.
Mas bastou o sumiço de uma excursão do primário para que a comunidade enfurecida arregaçasse as mangas e marchasse para o parque munida de quaisquer armas improvisadas que encontraram em suas casas e disposta a punir quem quer que julgassem remotamente responsável pelo terror que assolava suas pacata vidas.
E foi nesse momento, enquanto a turba raivosa vasculhava cada centímetro verde por pistas ou algum mendigo para linchar, que as respostas vieram em um último momento de terrível esclarecimento quando, um a um, a terra os engoliu em uma enorme e mucosa goela forrada de afiados dentes.
Os sobreviventes reportaram o horror que testemunharam para as autoridades, que sequer tiveram o luxo de permanecerem incrédulas por muito tempo quando o apetite do verme gigante ultrapassou as fronteiras do parque e passou a tomar as ruas.
Logo a polícia, esquadrões de choque e forças militares foram todas mobilizadas e bem sucedidas, supondo que seu objetivo era o de alimentar a criatura até que ela crescesse de tal forma que pudesse circundar toda a cidade com sua extensão.
Agora nossa cidade encontra-se separada do mundo por uma intransponível parede de carne viscosa, e somos mantidos como gado para saciar o apetite da fera.
Mas o nosso novo senhor é um tirano benevolente. O Grande Verme nos mantem seguros do mundo desde que não o irritemos com tentativas de fuga e exige pouco em troca. Apenas um sacrifício por dia, que deve entrar de bom grado em mandíbula cavernosa, a única porta de saída de nosso cercado.
Além disso, nosso senhor tem um pensamento muito moderno, acreditando em oportunidades iguais e jamais discriminando as oferendas por sexo, cor ou outras características. Para ele todos os vertebrados devem ser tratados igualmente, pois são igualmente deliciosos.
E assim continuamos nossas vidas (mais ou menos) como antes. O mundo de fora parece ter escolhido nos esquecer, julgando o que o Verme ficará saciado indefinidamente enquanto mantiver sua pequena horta humana. Mas nós aqui vemos que a cada dia, com cada um de nossos parentes, amigos ou conhecidos que caminha para a escuridão abissal, a besta cresce um pouco mais e o cercado vivo se expande, lentamente, até o dia em que ira envolver tudo e todos.