Ninguém nunca se esquece de seu primeiro amor. Do momento em
que, pela primeira vez, sua pele enrubesce e sua temperatura sobe, suas palmas
ficam molhadas de suor e tudo dentro de você parece estar sendo torcido por
mãos invisíveis. É como estar deliciosamente doente, ou ter sido agradavelmente
envenenado. É algo que carregamos pelo resto de nossas vidas.
O que poucas pessoas lembram, ou sequer têm conhecimento de
que aconteceu, é do momento em que elas foram o primeiro amor de alguém. O causador
de afeições, e não a vítima delas. Como
quando você foi um primeiro amor, tantos anos atrás.
Dificilmente você vai lembrar-se daquela manhã ensolarada de
verão, o sol implacável dominando os céus enquanto você caminhava pela rua. Aquele
brilho inclemente estava colocando o mundo de joelhos, mas não você. Naquele
dia você vestia o verão como um manto de luz e calor, e foi então que ele te
avistou. A maneira como seus olhos reluziam – eles jamais estiveram tão lindos
como naquele dia, sob a luz cor de mel – bastaria para matar de amor seu
admirador, mas foi o seu olhar que o cativou por completo. Cheio da peculiar
mistura de confiança determinada e leveza de espírito, esses eram os olhos que
ele poderia seguir pelo resto da vida. Quantas vezes mais, depois daquele dia,
você assolou o mundo com a beleza desse olhar?
Naquele breve momento você foi o único foco de olhos
pequenos e complexos. Sua imagem refletida uma centena de vezes, com cada
detalhe, cada minúcia da sua forma, cada pequeno trejeito de seus movimentos em
cada iteração sendo carinhosamente memorizados. Ele não podia piscar, e mesmo se pudesse não
se atreveria.
O que para você foi apenas um segundo, para aquela minúscula
mente frenética e de desejos simples foi tempo demais, mais do que ele poderia
suportar. Ele tinha que fazer algo, tinha que se aproximar daquela figura
divina, ganhar sua atenção, por mais impossível que fosse. Apenas um minúsculo instante
sob seus graciosos olhos faria da vida dele um paraíso.
Alçando voo em asas delicadas como vidro ornamental, ele foi
até você. Ele flutuou tão perto quanto ousava, refletindo o sol em sua carapaça
para te impressionar com tons líquidos que iam do verde azulado ao azul
esverdeado, passando pelo roxo que de alguma forma existe entre eles. Tão próximo
estava que seu perfume o atingiu com a força de uma erupção, todas as nuances
químicas de seu hálito, suor e feromônios sendo avidamente absorvidas por
antenas famintas.
Foi então que você o olhou. O zumbido amoroso que ele
produzia para encher seus ouvidos finalmente chamou sua atenção. Você olhou
diretamente para ele e nada mais, naquele que foi o momento mais alegre daquela
minúscula vida. Ele não queria que acabasse jamais, ele poderia olhar apenas
para seus enormes olhos como duas piscinas para sempre e esquecer o resto do
mundo.
E foi por isso que ele não viu as costas de sua mão chegando.
Naquele momento você partiu o coração de seu pequeno
admirador. Você também partiu uma asa e duas pernas. Mas mesmo enquanto
agonizava no chão, ele não conseguia deixar de te olhar com amor absoluto e
devoto.
E lá estavam vocês. Ele despedaçado no chão, olhando para
você como aquilo que poderia ter sido. Você, com um último olhar de relance,
vendo apenas aquilo que ele era. O pássaro que pousara próximo, olhando-o como
aquilo que ele estava prestes a se tornar.
sinto falta do seus contos!
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